segunda-feira, 27 de abril de 2009

Dúvida



"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música."



Oi, pessoal. O filme já saiu de cartaz. Quem viu apreciou uma boa história com ótimas interpretações e quem não tiver visto ainda e estiver pensando em pegar na locadora, advirto que esse texto, apesar de pegar só uma cena como gancho pro post, vai ter um pouco de spoiler.

Resolvi falar dele porque houve um determinado dilema moral que ficou ecoando por um bom tempo no meu pensamento e que, quanto mais eu analisava, mais me dava conta de que não é tão fácil julgar certo e errado. Quando eu chegava a uma conclusão que satisfazia a minha moral ou o meu lado racional, esta gerava novas reflexões. Mas vamos lá, vou dividir com vocês.

Meryl Streep e Philip Seymor Hoffman são os principais protagonistas do filme “Dúvida”. A história retrata a luta entre um padre e uma freira nos anos 60. A irmã Aloysius Beauvier (ainda não me conformei com esse nome...) interpretada por Meryl confronta o padre Flynn, interpretado por Hoffman, com as suas suspeitas de que este está abusando sexualmente de um estudante negro da escola. Os diálogos abordam temas como religião, moral e autoridade, dentre outros. Num determinado momento, na tentativa de investigar a fundo e chegar a uma resposta conclusiva acerca do comportamento do padre, a irmã Aloysius chama à escola a mãe do aluno (primeiro estudante negro da escola) supostamente vítima do abuso para conversarem. Quando a irmã cuidadosamente conseguiu expor para a mãe do garoto sua verdadeira preocupação, de que o padre poderia, sob o manto (sem duplo sentido) da aparente proteção ao garoto, estar abusando deste, a mãe disse não se importar. Isso mesmo! Fiquei de olho arregalado e orelha em pé. Estava ali diante de mim uma questão moral que eu antes só conseguiria ver sob a mesma ótica da irmã Aloysius. E enquanto a irmã defendia seus valores morais e religiosos perplexa e inconformada com a atitude da mãe, esta, na sua aparente simplicidade e ao mesmo tempo, com o amor de uma mãe que quer o melhor pro filho, mostrou à irmã que nem tudo que é certo é necessariamente bom e expôs suas razões: poucos alunos negros tinham oportunidade de estudar naquela escola (lembrando: década de 60, EUA, escola tradicional) e se ele não estivesse ali, estaria numa escola pública, sendo humilhado e provavelmente não seria ninguém na vida. Aquela escola era a única grande chance do garoto ingressar numa faculdade e mudar o provável destino que um negro pobre teria. Num senso muito prático, corajoso, mas nem por isso sem dor ou sofrimento, explicou que se o preço para o filho ter um futuro concreto e feliz fosse ser um pouco infeliz em curto prazo, então esta estava disposta a fechar os olhos para sua moral e a convencer o filho a ter resignação. Acredito que a irmã Aloysius nunca tinha pensado daquela forma antes. Nem eu.

Como é difícil ser flexível às vezes ou relativizar princípios tão rigidamente postos. E não estou aqui dizendo que estes estão errados, absolutamente. Realmente acho que valores morais e éticos existem com o bom propósito nos nortearem, mas estes não podem ser absolutos. Aquela cena foi mais uma lição de bom senso, de prudência ao querer julgar tão rapidamente e, principalmente, serviu pra lembrar que toda história tem no mínimo dois lados. Bom filme, recomendo. Beijos e abraços a todos!
PS: só depois fiquei sabendo pela Raquel que a excelente atriz (Viola Davis) que interpretou a mãe do garoto havia sido merecidamente indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante por uma cena que não deve ter durado mais do que 20 minutos!
PS2: Maria, obrigado pelas frases e reflexões sempre tão oportunas. Tomei a liberdade de publicar a última que você me enviou. Perfeita metáfora sobre como a visão incompleta das coisas geralmente conduz a julgamentos equivocados.

2 comentários:

  1. Já tinha ficado curisosa para ver o filme, agora preciso vê-lo! Tanto pela trama em si, quando em razão dos atores. Depois volto para dizer o que achei.

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  2. Agora quero ver mais ainda. Esse tema dá muito o que falar. Se certo e errado não são tão preto-e-branco assim, o que me garante que, ao relativar as coisas, consigo a solução mais adequada? Na área do cinza, há diversas possibilidades, então como escolher o mais razoável? E com que critérios? Acho que a necessidade de extremos que nós temos pode provir da necessidade inconsciente de critérios bem definidos para basear escolhas.

    Voltando ao filme, admito que fiquei chocada com a reação da mãe. Só assistindo ao filme para ver se me compadeço dela.

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