domingo, 20 de março de 2011

Algoritmo da dança

Para quem não sabe, Garota_D e eu fazemos aula de dança de salão há algum tempo. A dança de salão compreende vários ritmos, como o Bolero, a Salsa, a Bachata, o Forró, o Zouk, entre diversos outros. Aprender todos eles não é fácil, mas não é, de forma alguma, impossível. Vou tentar explicar um pouco do aprendi nesse pouco tempo de dança. Esse post vai ficar maior do que eu pretendia, mas é a vida.

Vamos do início. Imagine que você está andando para a cozinha da sua casa. Obviamente, você não tira os dois pés de uma vez do chão, você dá um passo com um pé, depois dá outro passo com o outro pé, e outro passo com o primeiro pé, e assim por diante, sempre lembrando de alternar os pés. Agora, vamos analisar um pouco mais a fundo o ato de caminhar.

Quando você está parado, você está com o peso do seu corpo distribuído nos dois pés. Para mover o pé direito, por exemplo, você transfere o peso do seu corpo para a perna esquerda, levanta o pé direito e o move para a frente, tocando o chão com este pé. Então, você transfere seu peso do pé esquerdo, que está atrás, para o pé direito, que está a frente. Assim, o pé esquerdo fica livre para você poder movê-lo para frente. Essas atitudes são feitas repetidamente e sem que você se dê conta.

Faça um exercício, levante e vá tomar uma água. Entretanto, vá andando pausadamente, prestando atenção nos passos, no movimento dos pés, na transferência de peso de um pé para outro. Vá lá, eu espero...





Não foi né... Enfim. Agora, imagine que você está andando na rua, ouvindo a uma música. Você gosta muito dessa música e, sem que perceba, está caminhando no mesmo ritmo dela. Legal, né. Você percebe que, sempre que tem a batida mais forte da bateria, aquele “TÁ”, é quando o seu pé esquerdo toca o chão. Esse som do “TÁ” é feito por um tambor, chamado caixa. Ouça a música “The Reason”, do Hoobastank, e identifique o som da caixa.

Então, você decide brincar, e quer fazer com que seus pés alternem pisadas a cada batida da caixa. Você percebe que anda mais devagar. Você, agora, decide que vai caminhar mais rápido ainda, pisando duas vezes com o pé esquerdo a cada batida da caixa.

Pois bem. Tudo isso foi para dizer que dançar é saber quando, em que momento, você deve pisar no chão e quando deve transferir o peso de um pé para outro. Em alguns ritmos, como o Merengue, você pisa e transfere o peso praticamente ao mesmo tempo, de forma que nem percebe. No Tango, são dois atos diferentes, primeiro você toca o chão e, depois, transfere o peso. Resta, portanto, saber quando se deve pisar no chão/trocar de peso, dependendo do ritmo.

Agora, toque de novo a música do Hoobastank, e desta vez prestando mais atenção na bateria. Você percebe que ela segue o seguinte padrão: “TUM, TS, TÁ, TS, TUM, TS, TÁ, TS, ...”. Mais ainda, ele tem a seguinte batida (leia da esquerda para a direita, acompanhando a música, cada coluna acontece ao mesmo tempo):

Chimbal | TS--TS--TS--TS- | TS--TS--TS--TS- | TS--TS--TS--TS- |
Caixa   | --------TÁ----- | --------TÁ----- | --------TÁ----- |
Bumbo   | TUM------------ | TUM------------ | TUM------------ |

Percebeu o que acontece a cada 4 batidas? A cada 4 “TS”, o padrão se repete. Se você continuar ouvindo a música, você percebe que esse padrão varia ligeiramente, com a adição de um prato de corte ou com a abertura do chimbal, mas depois volta ao padrão acima. Podemos, então, fazer a contagem 1 2 3 4. No 1, é a batida do bumbo. No 3, é a batida da caixa. Em todos eles, o chimbal está presente:

           1   2   3   4     1   2   3   4     1   2   3   4
Chimbal | TS--TS--TS--TS- | TS--TS--TS--TS- | TS--TS--TS--TS- |
Caixa   | --------TÁ----- | --------TÁ----- | --------TÁ----- |
Bumbo   | TUM------------ | TUM------------ | TUM------------ |

Se você contar quantas batidas tem uma música em um minuto, você tem o que é chamado de tempo da música. Assim, uma música com tempo de 60 batidas por minuto quer dizer que uma batida acontece a cada segundo. Em uma música com tempo 120, em um intervalo de um segundo, tem-se duas batidas. Cada agrupamento de algumas batidas é chamado de compasso. Na música acima, o compasso é de 4 batidas, ou de 4 tempos (não confundir com o tempo de música). Essa notação acima, que eu usei para representar as batidas da bateria, é chamada de tablatura, e é muito utilizada para se transcrever as notas de um determinado instrumento, como guitarra, baixo, vilão, bateria, assim como a cifra ou a partitura.

Para dançar, é preciso saber em qual dessas batidas, nessa contagem, você pisa no chão. Assim, na Salsa, no Bolero, no Forró, você pisa no chão nas batidas 1, 2 e 3. No 4 você não pisa no chão, espera um tempo (não necessariamente parado). A contagem fica 1, 2, 3, , 1, 2, 3, , 1, 2, 3, . No Samba de Gafieira, no Zouk, você pisa no 1, no 3 e no 4, ficando 1, , 3, 4, 1, , 3, 4, 1, , 3, 4. No exemplos abaixo, o x marca quando deve-se pisar no chão:

Forró:

      1   2   3   4     1   2   3   4     1   2   3   4
   | -x---x---x----- | -x---x---x----- | -x---x---x----- |

Zouk:

      1   2   3   4     1   2   3   4     1   2   3   4
   | -x-------x---x- | -x-------x---x- | -x-------x---x- |

Em alguns ritmos, é mais conveniente contar até 8, ou seja, assumir um compasso de 8 tempos. Voltando à musica do Hoobastank:

      1   2   3   4   5   6   7   8     1   2   3   4   5
   | TS--TS--TS--TS--TS--TS--TS--TS- | TS--TS--TS--TS--TS-...
   | --------TÁ--------------TÁ----- | --------TÁ---------...
   | TUM-------------TUM------------ | TUM-------------TUM...

A batida não muda, somente a contagem. No Soltinho, no Cha Cha Cha e no Tango, você pisa no chão nos tempos 1, 3, 5, 6 e 7. Perceba que é mais lento no início e mais rápido no final. No filme “Vem Dançar”, o professor de dança de salão, personagem do Antonio Banderas, faz a contagem usando as letras da palavra “Tango” (a partir dos 8:00 minutos):

      1   2   3   4   5   6   7   8     1   2   3   4   5
   | -T-------A-------N---G---O----- | -T-------A-------N-...

Sim, e o que algoritmos têm a ver com isso tudo? Tudo. Um algoritmo é uma sequência de instruções que devem ser executadas em ordem para se resolver um problema. É como uma receita de bolo, que diz o que e quando você deve fazer alguma coisa. Por exemplo, não se põe a massa do bolo numa assadeira antes de untá-la.

E como é o algoritmo da dança? Bem simples:

  1.    Ouça a música
  2.    Identifique o ritmo
  3.    Recorde a contagem daquele ritmo e a adapte na batida da música
  4.    Enquanto a música não acaba
  4.1.      Escolha um passo do ritmo
  4.2.      Enquanto o passo não acaba
  4.2.1.        Pise com o pé livre/transfira o peso de acordo com a contagem e com o passo
  4.3.      Fim do enquanto
  5.    Fim do enquanto

Em outras palavras, para dançar, basta ficar pisando no tempo correto, de acordo com os passos aprendidos. Com mais experiência, os passos não importam tanto, e você passa a improvisar, desde que você fique no ritmo. Você tem liberdade até para fazer um passo que saia da contagem, desde que ainda fique no ritmo.

Alguns professores podem fazer a contagem diferente. Por exemplo, no Zouk, pode-se começar a contar do 3 em vez do 1. Assim, fica 3, , 1, 2, 3, , 1, 2, 3, , 1, 2, ficando parecido com a Salsa, o Forró, e outros ritmos. Outros professores podem contar o Soltinho e o Tango como 1, , 2, , 1, 2, 3, , 1, , 2, , 1, 2, 3. Isso varia de professor para professor, mas não invalida o que eu disse antes, é apenas uma outra forma de contar. Ah, e a Valsa tem a compassos de 3 tempos, em vez de 4.

Ainda tem muitas outras coisas que podem ou não variar com o ritmo, como movimento do quadril e do corpo, expressões faciais, postura do cavalheiro e da dama, condução, abraço, giros, postura dos pés, dança em salão versus dança de apresentações, calçados, etc, que ficam para um possível próximo post.

Por último, dançar não é fácil, principalmente no início. Demora dias, meses, anos, para a gente dizer que realmente sabe dançar. Cada novo passo é uma batalha, você versus seu corpo, você querendo fazer alguma coisa e seu corpo não obedecendo. No entanto, como disse uma das minhas professoras, só não aprende quem desiste. Abraços. Correspondente Anônimo.

P.S.: Tem muito vídeo de Forró mal dançado no youtube.

P.S.2: Quem disse que é preciso ter duas pernas para dançar?

8 comentários:

  1. Olha aí o C.A. aparecendo no blog! ;-)

    Bom, te confesso que acho que fica mais fácil de aprender a dançar nas aulas práticas do que com essa tua explicação. rsrs! Mas entendo perfeitamente sua explicação: existe uma sincronia, uma repetição, um padrão, uma harmonia, whatever, que se compreendida facilita muito o aprendizado.

    E olha, gostei da música que você usou como referencial. Sou fanzaço de The reason.

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  2. Estou muito feliz com a primeira participação mais direta do Correspondente Anônimo no nosso blog. Como Anônimo que é, não tem nenhuma conta google ou em rede sociais. Mas encontramos um jeito. Parabéns pela estréia.

    Aluízio, encorajei o Correspondente Anônimo a escrever esse post sobre o Algoritmo da Dança porque para algumas pessoas, a linguagem corporal da dança é uma barreira. Um dos meus amigos passou a entender bem melhor a estrutura de um passo de dança ouvindo essa explicação. Para algumas pessoas é simples olhar e fazer, outras (como eu, por exemplo)têm que ter a noção do movimento em partes separadas e depois colocar tudo junto, outras precisam ver a matemática/lógica da dança em ação para entendê-la. Resumindo esse comentário quilométrico: a dança é algo fantástico e que torna nossa vida melhor. Queremos dividir com todos essa satisfação e paixão que temos por dançar. Câmbio, desligo! Vamos dançar!

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  3. Ah, antes que eu esqueça! Não deixem de conferir os links que estão espalhados pelo texto!

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  4. Correspondente Anônimo21 de março de 2011 às 07:44

    Tem um amigo nosso, que não é nenhum dos que a Garota D falou, que ouviu dizerem que "para dançar, basta sentir a música".

    Para pessoas lógicas como nós, eu, a Garota D (que acabou de admitir) e ele, "sentir a música" é extremamente difícil. Isso é para artistas. Nós seguimos padrões, como o Aluízio mesmo falou, e aprendemos com eles. Para mim, "sentir a música" é só depois de saber dançar

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  5. Concordo com o Anônimo... Nos somos das ciências exatas e da terra, somos treinados para buscar padrões e entenden-los... Quando aprendemos a dançar, meu caso, me preucupo em saber o que fazer e em muitas vezes não presto nem atenção na música... É como cozinhar, um cozinheiro de verdade sabe(pelo alfato, tato e e densidade da massa) o ponto sem necessidade de uma receita, enquanto nós precisamos de uma receita e seguimos passo a passo, e no final ainda falamos que sabemos cozinhar... Para quem é totalmente leigo no assunto de música é normal necessitar de um algoritmo e depois, bem depois, aprender a "sentir a música". Por isso concordo com o Anônimo...

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  6. Olá senhores (as)!
    Sou professor de Dança de Salão a 4 anos e já danço a 9 anos. Mas nunca sou da área de humanas e juro a vocês que a explicação mesmo para mim, é excelente. Todavia, Tenho uma dúvida que me angustia muito, pois não tenho se quer um mínimo de conhecimento musical:
    Recentemente, me apaixonei pela Kizomba, Um ritmo e dança angolana. E que tem suas bases musicais, fundamentadas no Zouk.Com isso, eu tenho e percebo nos demais professores e alunos, a dificuldade emo distinguir o que é Zouk e o que é Kizomba. Já li alguns textos onde se relata que o Zouk, é 3/4 e a Kuzomba é 4/4. Mas até aí para mim, "morreu Neves". Por favor me ajudem a entender a diferença, até mesmo, para melhor orientar meus alunos.
    Obrigado.

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    Respostas
    1. Olá, espero que você veja essa mensagem.
      Não conheço tanto a Kizomba, mas o que posso dizer com certeza é que tanto o Zouk (caribenho) quanto a Kizomba tem um compasso 4/4. Se não fosse assim, não conseguiríamos dançar Zouk brasileiro (tão facilmente) ao som dessas músicas, por que o Zouk brasileiro exige um compasso 4/4.
      O que eu ouvi falar, mas nunca fui atrás de verificar a vericidade, é que a música Kizomba veio da música Zouk (caribenho), por isso elas são tão parecidas. A diferença é que a Kizomba é de antigas colônias de Portugal, enquanto que o Zouk (caribenho) é de antigas colônias francesas.
      Portanto, o método para diferenciar que eu conheço é prestar atenção na música. Se você identificar palavras em francês, é Zouk. Se conseguir identificar palavras em português (de Portugal), é Kizomba. O que dificulta é que as músicas são cantadas em dialetos, vindos do francês ou do português, por isso nem sempre é fácil identificar as palavras.
      Abraços,
      Correspondente Anônimo

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  7. Obrigado Karol!
    Se bem entendi, ambas são 4/4 e cabe a mim, diferencia-las, quanto a língua que são cantadas. Certo?
    Desculpe-me a insistência mas é porque não saco nada mesmo de música e tem algumas destas músicas, quando eu as escuto, independentemente da língua sinto a vontade de dançar um Zouk e outras de dançar a Kizomba. Mas não consigo identificar o que causa esse estímulo.
    Muito obrigado pelo retorno.
    Sucesso!

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